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  • Mario Eduardo Garcia

Explosiva urbanização brasileira

Um único indicador – a evolução da taxa de urbanização – revela o porte do desafio que está atormentando as grandes cidades brasileiras, na luta para melhorar as condições de mobilidade de suas populações.


(Taxa de urbanização = percentual das pessoas que vivem nas cidades, face à população total do país)


Como mostrado no gráfico, em 1940 a população urbana brasileira era de 31% do total. Em 2010 esse número tinha subido para 84%! Embora a curva mostre um certa atenuação de 1980 em diante, a andamento anterior já levou a taxa para patamares elevadíssimos. A fotografia fica mais dramática quando se considera que os 31% eram de uma população comparativamente pequena (41 milhões de habitantes) enquanto em 2010 temos 84% de 190 milhões. Em outras palavras: entre essas duas datas a população urbana cresceu de 13 milhões para 160 milhões!


Mas será que a urbanização brasileira foi mesmo galopante? Como se compara com o que aconteceu em outros países?


A população do planeta atingiu 6 bilhões de habitantes em 1999 e 7 bilhões em 2011. Hoje, 2016, cerca de 55% vivem em cidades. Percebe-se que com os nossos 84% em 2010 estamos bem acima dessa média.


Para aprofundar o entendimento numérico vamos analisar o ocorrido no período 1960-2000, em um grupo de países de vários portes e graus de desenvolvimento, em especial os de dimensões continentais como o Brasil. Esses países abrigavam no ano 2000 cerca de 50% da população mundial. Podemos avaliar o andamento da urbanização, em cada um deles, em números absolutos (milhões de habitantes) ou em termos relativos (percentuais), conforme gráficos abaixo.


Em números absolutos (gráfico 1), China e India, previsivelmente, lideram o crescimento da população urbana, com o Brasil em seguida. Já em termos relativos, isto é, calculando o acréscimo percentual da população urbana sobre a base de 1960 (gráfico 2), a Coreia do Sul se destaca, com Brasil e China a seguir. Finalmente, para o gráfico 3 desenvolvemos um indicador que procura dar uma ideia da intensidade da urbanização em relação à população total, no caso a população total média dos anos 1960 e 2000. Observa-se neste último diagrama que as posições relativas dos países se modificam bastante, mas a prevalência de Coreia do Sul e Brasil se mantém.


Não cabe aquí analisar as causas dessas variações, tema importante e complexo que tem sido amplamente estudado pelos especialistas em demografia. Desejamos apenas registrar que não obstante a natureza um tanto rudimentar das comparações puramente numéricas feitas no presente texto, podem-se extrair algumas ilações com dose aceitável de segurança.


Países europeus, como Alemanha, Reino Unido e Países Baixos, que já ostentavam elevadas taxas de urbanização no final da primeira metade de século 20, apresentaram a seguir modestos crescimentos da população das cidades até 2000. Austrália e Argentina também tiveram urbanizações moderadas, que apenas se destacam quando correlacionadas com as discretas cifras de suas populações totais. Japão, Estados Unidos e Rússia sob qualquer dos três critérios apresentam números intermediários, no conjunto de países sob exame, sem destaque especial.


Os países restantes, China, India, Brasil e Coreia do Sul são os que se ostentam cifras que se sobressaem. Os dois primeiros, como já dito, em números absolutos. Nos gráficos 2 e 3 observa-se que em comparação aos demais países seus números (relativos) não são tão expressivos, denotando um impacto relativamente mais moderado da urbanização face ao seu cenário demográfico total. Já a Coreia foi o país de maior ritmo de urbanização entre 1960 e 2000. Entretanto, em números absolutos o crescimento foi comparativamente modesto, apenas 32 milhões de habitantes.


Os números e gráficos acima deixam claro que o crescimento da urbanização brasileira foi proeminente sob qualquer um dos critérios examinados. São 100 milhões de pessoas a mais nas cidades, um número que significa 80% de crescimento a partir de 1960. Isso gera um desafio formidável, comparável a poucos, em todo o planeta.


Sabendo-se que o país teve crescimento econômico acelerado até 1980 e que a partir desse marco entrou em virtual estagnação econômica, até o princípio do século 21, fica fácil depreender as dificuldades experimentadas para garantir o bem-estar dos milhões de habitantes urbanos, sobretudo os que vivem nas grandes cidades. Embora o grosso da atividade econômica nacional tenha migrado para as metrópoles, elas também foram afetadas pela estagnação. Assim, a urbanização maciça e descapitalizada inibiu a modernização das infraestruturas e serviços urbanos e agravou o perfil injusto de uma sociedade desigual, sobretudo nas metrópoles.

 

Na página “(i)Mobilidade Urbana” da seção “Pensamentos em Marcha” deste site apresentei um conjunto de 16 teses que fundamentam um chamado pela reforma regeneradora da mobilidade nas grandes cidades brasileiras. São teses que, nesse setor, procuram dar resposta ao enorme desafio trazido pelo vertiginoso crescimento da urbanização. Os dados apresentados neste texto deixam claro que essa resposta tem que ser dada na escala necessária, senão pouco adianta. Eles também reforçam a tese de que as políticas de mobilidade devem ser integradas. Em 1961 Jane Jacobs já nos alertava que as cidades apresentam preocupações econômicas e sociais muito mais complicadas do que a mobilidade. Ela questionava: como saber que solução dar à mobilidade antes de entender como funciona a própria cidade e de que mais ela necessita nas ruas? É impossível.[1]


Melhorias apenas incrementais ou políticas não integradas são contra-indicadas, pois malbaratam recursos em remédios superficiais para males profundos. Precisamos de políticas e ações com a amplitude das 16 teses, ou segundo outras propostas que se apresentem, também integradas e com abrangência semelhante.

Fontes dos dados populacionais: IBGE, Wikipedia, Globo Educação e "The World at Six Billion" ONU, 1999

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[1] "Morte e Vida das Grandes Cidades", Jane Jacobs, 1961 edição brasileira da Livraria Martins Fontes Editora, 2003.


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