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  • Mario Eduardo Garcia

A enorme capacidade de tolerância dos pobres provém da sua ignorância das alternativas

Hoje, quando a crise fiscal é a mais momentosa (e tormentosa) questão da economia brasileira, vale relembrar a frase acima, da icônica Maya Engelous, admirável artista e humanista estadunidense. Ela foi usada como epígrafe na publicação do artigo “Cadê o plebiscito” do saudoso Joelmir Beting nos idos de 2000.[1] Com a insuperável simplicidade de seu "economês", ele denunciava a injusta composição da carga tributária brasileira.

Vamos transcrever o seu início:


“Historicamente, os impostos indiretos, não raro cumulativos, respondem por até 70% da carga tributária no Brasil. Os restantes 30% são sacados da taxação da renda, do patrimônio e de fontes residuais diversas. Em meio mundo ocorre, em média, exatamente o contrário: 30% da arrecadação total são extraídos dos impostos indiretos e 70% dos tributos diretos, declaratórios.

Um dos dois deve estar errado: ou o Brasil ou o mundo. Os impostos indiretos são politicamente ladinos e socialmente perversos.

(...)

Sobre ser politicamente esperta, porque oculta, a estrutura dos impostos indiretos é socialmente genocida. São tributos que tratam igualmente os desiguais.


Os impostos indiretos incidem sobre bens e serviços e são transferidos para os preços sem diferenciar consumidores pobres e ricos. Como há uma extensa gama de produtos de consumo obrigatório, resulta que os mais pobres, ainda que comprando menos, pagam proporcionalmente mais imposto do que os de maior renda.


Passados dezesseis anos do artigo do Joelmir a situação permanece a mesma. Ensaio de Evilasio Salvador na edição de março de 2016 da Revista PolitiKa evidencia que enquanto os tributos indiretos representavam em 2014 mais de 60% da carga tributária, os incidentes sobre a renda e propriedade correspondiam a, respectivamente, 18% % e 4%.[2]


A pungente regressividade da carga tributária é evidenciada no diagrama abaixo, constante de estudo do IPEA de 2011.[3]

Verifica-se que os 10% mais pobres estão gastando quase 30% de sua renda para pagamento de impostos indiretos, enquanto os 10% mais ricos gastam perto de 10%. Percebe-se também que não há alteração significativa entre os dois períodos analisados 2002/2003 e 2008/2009, ou seja, há um renitente padrão socialmente indesejável.


Confirmando as ponderações do Joelmir Beting um levantamento da Pricewaterhouse Coopers (PWC) feito com exclusividade para a BBC Brasil revela que "o imposto de renda cobrado da classe média alta e dos ricos no Brasil é menor que o praticado na grande maioria dos países do G20 – grupo que reúne as 19 nações de maior economia do mundo mais a União Europeia.


A consultoria comparou três faixas de renda anual: 70 mil libras, 150 mil libras e 250 mil libras – renda média mensal de cerca de R$ 23 mil, R$ 50 mil e R$ 83 mil, respectivamente, valores que incorporam mensalmente o 13º salário, no caso dos que o recebem.


Nas três comparações [todas de faixas de renda alta], os brasileiros pagam menos imposto de renda do que a maioria dos contribuintes dos 19 países do G20”. [4]

Essas tristes constatações ajudam a explicar porque não tem futuro a criança da foto acima, exposta a riscos de todo tipo desde a mais tenra idade. Apesar do efeito progressivo dos gastos sociais – previdência INSS, educação, saúde e assistência social, que possibilitaram melhoria sensível da distribuição de renda após 2000 – ainda estamos em patamar inaceitável de concentração, qual chaga pertinaz a infelicitar a Nação. E nos alertam que sem uma reestruturação substancial do perfil distributivo da carga tributária não se pode nem se deve cogitar de reduzir o gasto social.

 

[1] Jornal A Noticia http://www1.an.com.br/2000/out/05/0joe.htm

[2] O saldo para 100% corresponde a tributos sobre a folha de salários.

[3] Comunicado IPEA nr 92 de 19 de maio de 2011 – Equidade fiscal no Brasil

[4] Artigo de Mariana Schreiber em BBC Brasil de 14/3/2014 em http://www.bbc.com/portuguese/noticias/2014/03/140313_impostos_ricos_ms


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