"...já passou o tempo em que o tempo não contava. O homem de hoje não cultiva o que não pode se
Reclama-se que na era das mídias monopolizadoras - o computador, o celular, o whatsapp -, desapareceu a disponibilidade das pessoas para a conversa amena face a face, o encantamento com o detalhe, o mergulho em outros mundos proporcionados por um livro, um conto, uma crônica, o tonificante relaxar ensejado pela serena audição de uma bela música.
Será que esse cenário é permanente, que não tem volta? Ele aponta para o embrutecimento da sensibilidade, ou é o contrário, ele abrirá novos ensejos de conhecimento e cultura para todos, em seu devido tempo, à medida que mais informação gera mais oportunidade?
Como ainda não temos uma receita que nos ensine a prever o futuro, precisamos olhar para trás, aprender com a experiência do passado. Vejamos por exemplo o título deste post. Parece que é a descrição perfeita do quotidiano de nossos dias, mas não é. Foi obtido durante a leitura de luminosa crítica literária escrita por Walter Benjamin no longínquo 1936, sobre a obra de Nikolai Leskov. No fragmento abaixo ele cita Paul Valéry:
"Falando das coisas perfeitas que se encontram na natureza, pérolas imaculadas, vinhos encorpados e maduros, criaturas realmente completas, ele [Paul Valéry] as descreve como "o produto precioso de uma longa cadeia de causas semelhantes entre si". O acúmulo dessas causas só teria limites temporais quando fosse atingida a perfeição. "Antigamente o homem imitava essa paciência", prossegue Valéry. "Iluminuras, marfins profundamente entalhados; pedras duras, perfeitamente polidas e claramente gravadas; lacas e pinturas obtidas pela superposição de uma quantidade de camadas finas e translúcidas... - todas essas produções de uma indústria tenaz e virtuosística cessaram, e já passou o tempo em que o tempo não contava. O homem de hoje não cultiva o que não pode ser abreviado." Com efeito, o homem conseguiu abreviar até a narrativa. Assistimos em nossos dias ao nascimento da short story, que se emancipou da tradição oral e não mais permite essa lenta superposição de camadas finas e translúcidas, que representa a melhor imagem do processo pelo qual a narrativa perfeita vem à luz do dia, como coroamento das várias camadas constituídas pelas narrações sucessivas."
Se a obra de arte, a perfeição, é como...a superposição de uma quantidade de camadas finas e translúcidas...produções de uma indústria tenaz e virtuosística...criadas quando ...o homem imitava essa paciência...então hoje a obsessão pela síntese, o encurtamento da linguagem, as abreviações cifradas e a escassez de tempo disponível impediriam a criação e o desfrute do belo.
É uma verdade inconteste? Não sei, parece que não.
A indisponibilidade dos seres humanos e a falta de paciência foi registrada já na década de 1930 - não se cultiva o que não pode ser abreviado, como acima dito - mas daquela época em diante tivemos toda uma erupção de manifestações artísticas na arquitetura, dança, escultura, música, pintura, literatura, cinema, arte digital, até os dias de hoje. Esta é a era de um Picasso, um Matisse, Dali, Volpi, Hemingway, Gabriel G. Marquez, Borges, Neruda, Camus, Graciliano, Charles Chaplin, Fellini, os Beatles, Villalobos e tantos outros, para não falar das extraordinárias realizações contemporâneas da ciência em todos os campos.
O fenômeno da captura de corações e mentes pela internet, TV e celular de hoje parece preocupante. Mas, quem sabe, talvez falte-nos apenas aceitar a mudança de valores entre gerações, entender como isso afeta o uso do tempo e superar a nossa incapacidade para, quietamente, qual mensagem subliminar, transmitir aos jovens a face oculta da beleza e suas maravilhosas revelações.
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