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  • Mario Eduardo Garcia

Educação básica no Brasil: tentando enxergar no nevoeiro


As responsabilidades pela educação no Brasil não cabem só a governo, ONGs e escolas privadas. Todos nós somos responsáveis. Se a nobre missão de ensinar, como está hoje, representa o maior obstáculo à formação de uma sociedade justa e avançada em nosso país, é porque também nós, famílias e cidadãos, estamos falhando em nosso compromisso como educadores.


Este post é uma tentativa de colaborar no esforço para ao menos entender alguns referenciais do nosso deplorável atraso em tão importante função social.


Comecemos por um conhecido "benchmarking".


PISA é o acrônimo que designa o "Programme for International Student Assessment" ou Programa Internacional de Avaliação de Estudantes. Trata-se de uma análise comparativa, realizada mediante teste aplicado a estudantes na faixa dos 15 anos de idade, quando em tese os jovens já devem ter concluído importante etapa de escolaridade e estarão iniciando o ensino médio.


A estrutura do sistema educacional brasileiro é mostrada no quadro abaixo.

Fonte: Relatório Educação para Todos 2000 - 2015


O PISA avalia a proficiência dos estudantes em três matérias: Matemática, Leitura e Ciências. O programa foi desenvolvido e é coordenado pela Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE, ou OECD em inglês). Em cada país há uma direção nacional. No Brasil, o PISA é coordenado pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep). As avaliações são feitas a cada três anos.


No PISA 2015 recém divulgado a OCDE computou os dados referentes aos seus 35 países membros e mais 35 países parceiros, dentre eles o Brasil, participando dos testes um total de 540 mil estudantes. A amostra brasileira contou com 23 mil estudantes de 841 escolas, que representam uma cobertura de 73% dos alunos de 15 anos.


Os resultados de 2015 de nosso país causam preocupação. A posição relativa do Brasil no conjunto dos países continua extremamente fraca, como se verá à frente. Esse insucesso foi fartamente anunciado por agentes públicos e meios de comunicação, mormente porque o andamento histórico mostra-se ainda mais inquietante, como indicado no gráfico abaixo.


Fonte: elaboração própria com dados do O Globo G1


É nítida a queda em 2015 em Matemática e a estagnação nas duas outras matérias. Esse fato chama a atenção porque, dentre outros aspectos, o crescimento dos índices de Matemática desde 2000 tinha sido expressivo.


Para uma observação mais acurada, com resultados cotejados aos dos demais países, este blog produziu os diagramas mostrados a seguir, a partir da base de dados da aferição 2015, compilados pelo norteamericano PISA-EUA [1]. A pontuação das nações participantes é decrescente da esquerda para a direita dos diagramas. Figuram também, para efeito comparativo, o resultado global dos Estados Unidos (EUA) e a média dos 35 países da OCDE, tudo relativo a 2015. Nas três disciplinas Cingapura é o país melhor classificado.


Percebe-se que a posição brasileira, designada por "Brasil global", lamentavelmente faz companhia às dos países de pior avaliação.


Indo mais fundo na observação lançamos também nos gráficos em cor amarela a pontuação brasileira decomposta nos quatro segmentos de redes de ensino que constituem a rede total ou global, a saber, as redes públicas federal, estadual e municipal e a rede privada.


Elaboração própria a partir dos dados PISA e do relatório Brasil no PISA 2015 do INEP

Como era de se esperar, é boa a pontuação da rede privada, que acolhe cerca de 17% do universo de estudantes da educação básica. Seus resultados estão próximos dos estadunidenses e da OCDE. Mas o maior destaque cabe à rede pública federal, com escore próximo ao da liderança absoluta em Leitura e Ciências e também muito bom em Matemática. Essa rede de excelência, todavia, atende apenas 1% do total de estudantes.

Inversamente, as pontuações das redes públicas estadual e municipal são muito fracas. Admitindo a representatividade estatística da amostra do PISA, os escores dessas duas redes são determinantes da decepcionante classificação brasileira como um todo ("Brasil global" nos gráficos acima), pois concentram a maioria absoluta (82%) dos alunos dentre os 49 milhões matriculados no ensino básico em 2015.


Fonte: Sinopse estatística 2015 INEP [2] e elaboração própria

Qual o significado dos desanimadores índices globais de desempenho brasileiros? Que caminhos trilhar para a redenção do ensino básico no Brasil?

Responder a essas questões demanda uma análise pormenorizada e não só restrita aos números do PISA. Ultrapassaria de muito os limites de um blog. Trata-se de matéria especializada, onde até os peritos divergem, concordando apenas que não existe uma solução única, uma bala de prata para resolver o nó da educação. Não cabe portanto a leigos apontar rumos ou estratégias, ou apenas repisar conhecidos bordões que reclamam professores e diretores melhor capacitados, autonomia, tempo integral, menos burocracia, etc


Reconhecendo as limitações do blog o que se segue é apenas um ensaio rudimentar para vislumbrar o que poderiam ser resultados desejáveis no PISA, a partir da própria experiência brasileira,

 

Seriam as práticas exitosas das escolas privadas e da rede federal replicáveis nas redes estadual e municipal? A inevitável tendência é responder negativamente, seja pelo maior custo por aluno nas primeiras, seja pela natureza institucional e portanto gerencial distintas da rede privada ou ainda pela minúscula dimensão da rede federal.


A questão do custo é discutível. Se falta dinheiro para financiar um ensino de maior qualidade para todos (mas não falta para pagar os juros escorchantes da dívida pública), muito mais dinheiro escoa pelo ralo e compromete o futuro, quando as metas educacionais não são alcançadas. Não é necessário estudar a relação benefício/custo do investimento em educação para saber que se a gestão for competente o retorno é altamente positivo.

Assim, em vez de rejeitar in limine o exame da experiência brasileira vitoriosa, já bem aclimatada em nossa terra, por que não examinar minuciosamente cada um de seus fatores de sucesso para gradativamente, em etapas viáveis, ir absorvendo esses exemplos nas redes estadual e municipal, sem perda da sua essência como ensino público? Essas etapas sem dúvida significarão reformas de médio e longo prazo, implicando consensos sociais e entre partidos políticos, forjados mediante o reconhecimento de que o tema "educação" transcende tacanhas disputas paroquiais de curto alcance e rechaça tanto visões ultraliberais como interesses corporativos retrógrados. É até possível que a política educacional já contemple essas diretrizes, mas nesse caso estaria faltando uma divulgação mais ampla dos obstáculos que impediram o sucesso.

Uma forma alternativa de encarar a incógnita da educação básica e as lições a aprender, tendo os resultados do PISA como referenciais, é focalizar a dimensão geográfica. Ao se calcularem as pontuações por região do país verifica-se que as do Nordeste são consistentemente as mais baixas. O Norte está com notas acima do Nordeste e inferiores às do Sul e Sudeste.


Fonte: PISA, Wikipedia e elaboração própria


Para aprofundar a análise vamos reexaminar a distribuição das matrículas por rede de ensino e por região, agora em termos percentuais em vez de quantidade de matrículas.

Fonte: Sinopse estatística 2015 INEP e elaboração própria


É clara nesse gráfico a disparidade da distribuição do contingente de alunos por tipo de rede nas regiões. A participação das escolas municipais, que, como já visto, têm as pontuações PISA mais baixas dentre as redes, é muito maior no Nordeste do que nos demais estados. Para entender o significado dessa assimetria procuramos apurar também a distribuição dos alunos por etapa de ensino, obtendo as informações sintetizadas no seguinte gráfico.


Fonte: Sinopse estatística 2015 INEP e elaboração própria

Segundo esse critério a distribuição dos estudantes não apresenta os desbalanceamentos regionais observados quanto às jurisdições. Pelo contrário ela é razoavelmente homogênea ao longo das regiões, com prevalência quantitativa absoluta do ensino fundamental. Esta etapa e a de educação infantil são provavelmente as de maior influência na formação do lastro cultural dos estudantes aos 15 anos de idade. Vamos assim destacar alguns números do ensino fundamental e da rede municipal, representados nos dois gráficos, comparando o Nordeste com as duas regiões com melhores notas no PISA.


Fonte: Sinopse estatística 2015 INEP e elaboração própria


Esses números constituem uma das explicações para a fraca posição do Nordeste dentre as congêneres na pontuação do PISA. No ensino fundamental, enquanto naquela região perto da totalidade dos estudantes é atendida pela rede municipal, no Sul e Sudeste apenas uma parcela, embora majoritária, está nessa rede, com os restantes frequentando escolas de melhor desempenho.


Aprofundando a analise da região Nordeste, desmembrando-a por estado, apura-se que o Ceará destaca-se dos demais. O resultado sintético desse exame, também cotejando com as médias brasileiras, pode ser visto no gráfico seguinte.


Elaboração própria a partir de dados do PISA e Wikipedia

Examinando-se agora os escores dos estados brasileiros mais bem qualificados, assumindo como tais os que que tenham pelo menos as notas de duas disciplinas entre as dez primeiras classificadas [3], obtém-se o resultado retratado no gráfico apresentado a seguir.


Elaboração própria a partir de dados do PISA e Wikipedia (pontuação por estado)

Nota-se que o Ceará comparece também nesse elenco. E que é inegável a liderança do Espírito Santo, o melhor dentre os melhores.


A posição desses estados mais bem classificados, agora no contexto internacional do PISA, pode ser apreciada nos gráficos seguintes, onde "mais fraco" designa o país classificado em último lugar em cada disciplina.

Elaboração própria a partir de dados do PISA e Wikipedia (pontuação por estado)


A partir desses resultados podem ser ensaiadas algumas simulações. Podemos examinar, por exemplo, quais teriam sido os resultados brasileiros em cada disciplina se (1) os estados do Norte e do Nordeste tivessem obtido escores iguais aos do Ceará e (2) as pontuações dos demais estados tivessem sido iguais às do Espírito Santo. Os resultados potenciais desses avanços nem tão ousados podem ser observados na tabela seguinte.

Elaboração própria a partir de dados do PISA e Wikipedia

Os novos escores brasileiros seriam os indicados na linha "PISA modificado". E o Brasil subiria entre 5 e 9 posições na classificação internacional do PISA, dependendo da disciplina.

Uma outra simulação, mais ambiciosa, teria como paradigma a pontuação do estado do Espírito Santo. Corresponderia a um cenário onde a classificação geral do país, ou seja a média brasileira, em cada disciplina, fosse igual à desse estado.

Elaboração própria a partir de dados do PISA e Wikipedia

Nesse caso subiríamos dentre 8 e 15 posições. Considerando o universo de 70 países participantes, em Leitura e Ciências estaríamos em torno do 50o. lugar, perto do Uruguai e pouca coisa atrás do Chile. E em Matemática um tanto abaixo, na 60a. posição, perto do México. Seriam posições ainda modestas, mas longe das desanimadoras classificações que hoje ostentamos.


Para dar uma idéia do que essas aspirações representariam, face ao andamento histórico das pontuações brasileiras no PISA, reproduzimos a seguir o gráfico apresentado no início deste post, evidenciando agora, no topo de linhas pontilhadas, os números simulados brasileiros para 2015, isto é, iguais aos do Espírito Santo.


Em Matemática teríamos um escore simulado mais baixo do que nas outras duas disciplinas, reproduzindo o típico padrão de desempenho inferior dessa matéria. Mas pelo menos manteríamos a sua tendência histórica de crescimento. Já em Leitura e Ciências um considerável salto positivo teria sido obtido.

 

As tabelas, gráficos e comentários acima apresentados obviamente não significam que obter notas boas no PISA seja o objetivo último de uma política pública de educação. Não se enfrenta o desafio do ensino básico com receita de ciência exata. É batalha a ser travada num sistema social complexo e não na atmosfera inerte de um edifício cartesiano. E não se pode estreitar o processo pedagógico para dar prioridade a ganhos de aptidão para responder testes.


Mas também não é prudente desqualificar o mérito do PISA como 'benchmarking". Seus resultados, como processados neste post, são úteis para fundamentar uma simples contribuição ao debate, provinda de cidadão sem maiores qualificações nessa área, mas, como todo brasileiro, interessado no correto encaminhamento de tão magna questão.


A reflexão se torna mais oportuna hoje, pois, considerando a bagagem cultural infelizmente tão precária trazida pelos jovens de 15 anos, cabe perguntar se tem sentido reformar o ensino médio sem tratar das frágeis bases de conhecimento estudantil sobre as quais hoje ele se assenta.


É nessa perspectiva que o material deste post focaliza o aproveitamento das boas práticas de ensino tipicamente brasileiras. Vamos mirar no exemplo tão próximo da rede estadual para melhorar a municipal. Vamos começar esse esforço pelo Nordeste. E se Espírito Santo, Ceará e outros estados estão na vanguarda da educação básica, não deveríamos fazer de tudo para explorar nos demais essa rica experiência, produzida sem recursos financeiros extraordinários e com métodos quiçá replicáveis de gestão pedagógica?

 

NOTAS

[1] https://nces.ed.gov/surveys/pisa/pisa2015/pisa2015highlights_5.asp e equivalentes para as outras disciplinas.

[2] Os resultados do Censo Escolar 2015 referem-se às matrículas na Creche, Pré-Escola, Ensino Fundamental, Ensino Médio e na Educação de Jovens e Adultos.

[3] Deve-se registrar que o estado do Rio de Janeiro, embora não satisfazendo esse critério, pois suas notas em Leitura e Ciências não estão entre as dez melhores, teve muito bom desempenho em Matemática para os padrões brasileiros, igualando os estados líderes. Esse desempenho deve merecer maiores análises em um futuro post. Ao fugir do modelo de correlação entre pontuações das disciplinas comum aos demais estados e à média brasileira o desempenho desse estado poderá trazer novas informações sobre a experiência brasileira aproveitável.

Obs: A primeira imagem deste post foi obtida em educare.pt


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