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  • Mario Eduardo Garcia

Podemos superar o desafio da infraestrutura ?

Revisão pontual em 6 de dezembro de 2016


Dada a importância conferida às concessões de serviços públicos no Brasil como estratégia para modernizar a infraestrutura e (estranhamente) para incrementar o caixa do governo, este blog produziu há tempos um post sobre o questionável modelo de outorgas onerosas. A esta altura, passados dois meses e com programas federais rebatizados e a próxima transição dos governos municipais, o tema concessões ganha novas cores. É o momento de focalizar outros ângulos dessa matéria.


Tem sido aventada pelo governo federal a realização, com antecedência, de certas atividades que costumam emperrar a contratação dos projetos com os concessionários ou embaraçar sua posterior execução. É o caso do licenciamento ambiental e da audiência prévia dos tribunais de contas dos estados e da União. Fala-se também em adiantar no que for possível as providências de obtenção dos financiamentos. São ações bem-vindas, não obstante pareça esquisito adotar como rotina a revisão prévia dos projetos pelos tribunais de contas. Estes acabam tendo que se habilitar como revisores técnicos dos estudos e modelagens antes das licitações. Se o Executivo formular cuidadosamente os projetos desde a origem – como é sua obrigação – e em plena consonância com as políticas públicas pertinentes, esses encargos acautelatórios dos tribunais não serão necessários, limitando-se a sua atuação à fase ex post licitações, com maior economia de prazos.

De todo modo, admitindo que os fatores que travam as contratações sejam superados, pergunta-se: com isso os programas deslancharão no ritmo necessário? Darão uma contribuição significativa para o reforço da infraestrutura brasileira?


Este texto não pretende ter resposta cabal para questões tão complexas. Seu objetivo é só informativo. Queremos divulgar temas momentosos focalizadas em estudos recentes, para contribuir nas análises e discussões que iluminarão as tomadas de decisão dos gestores governamentais.

 

Atraso da infraestrutura

Trabalho publicado pelo McKinsey Global Institute (MGI) em junho deste ano, denominado “Bridging Global Infrastructure Gaps”, fornece dados sobre o gasto mundial em infraestrutura [1]. Alcançando cerca de USD 2,5 trilhões [2] por ano em investimento e manutenção, ele está bem abaixo do necessário, que é de USD 3,3 trilhões ou 3,8% do PIB mundial. O atraso, portanto, tem dimensão planetária. O descompasso provoca ineficiência econômica e deterioração dos serviços de transporte, energia, abastecimento de água e telecomunicações.


Segundo estimativas do MGI a infraestrutura apresenta uma taxa de retorno socioeconômico típica da ordem de 20%. Em termos globais McKinsey prevê que se crescentes investimentos em infraestrutura forem aplicados ao longo de 10 anos, em linha com as demandas, o PIB mundial pode ter, por conta disso, um adicional sustentado de 0,6% por ano. Em um país com com infraestrutura pobre os ganhos podem ser maiores. É o caso do Brasil, onde o MGI acredita na possibilidade de um incremento de 1,5% do PIB e a criação de 1,3 milhões de empregos.


Melhor a infraestrutura, maior a renda. Essas duas dimensões econômicas alimentam-se reciprocamente. Um ensaio sobre essa correlação pode ser observado no diagrama abaixo, transcrito do estudo McKinsey, que usa como variáveis a qualidade da infraestrutura medida pelo indicador do World Economic Forum e a renda per capita.


O diagrama mostra a modesta posição brasileira, para o seu nível de renda, provocada mormente por investimento raquítico e por deficiências de gestão. Combater essas causas da degradação da infraestrutura e do consequente estrangulamento da economia deve ser uma das prioridades governamentais, qualquer seja a orientação política vigente.

 

Parcerias público-privadas


União, estados e municípios apontam as concessões e PPPs como solução para o financiamento e a melhoria da eficiência dos serviços acima citados. O enorme volume de recursos financeiros vagando pelo mundo à procura de aplicações parece favorecer essa política. Segundo o estudo McKinsey são cerca de 120 trilhões de dólares, geridos por bancos e investidores institucionais. Essa abundância explicaria a expectativa governamental de substituir os financiamentos do BNDES por fontes internacionais.


Há razões, entretanto, para encarar com cautela as parcerias público-privadas como remédio milagroso para a redenção da infraestrutura de nosso país. Os requisitos para acesso à copiosa oferta de financiamento internacional são muito seletivos. Impõem um padrão de excelência na qualidade de projetos e modelagens, em sua implantação e operação e no ambiente regulatório. Dependem da maturidade dos mercados financeiros e de garantias e seguros de riscos. Dadas essas exigências o investimento público na infraestrutura comparece historicamente em proporção muito maior do que o privado, tanto nos países desenvolvidos como nas economias emergentes.

O diagrama abaixo mostra essas participações, no período 2010 - 2014.

Elaboração do autor a partir de dados do relatório McKinsey


O caso brasileiro


Segundo estudo da Confederação Nacional de Indústria – CNI publicado em 2015 [3], investiram-se anualmente no Brasil, em um intervalo de duas décadas, pouco mais de 2% do PIB em infraestrutura. O diagrama abaixo mostra esse andamento entre 2007 e 2015.


Elaboração do autor a partir de dados do relatório CNI


O trabalho da CNI registra que a participação do setor privado já teria alcançado um patamar elevado no Brasil, da ordem de 50% do total, como podemos constatar visualmente no diagrama abaixo.


Elaboração do autor a partir de dados do relatório CNI

Entretanto, sendo limitado o aporte de capital próprio nas concessões e PPPs brasileiras, algo como 20%, a maior parte dos investimentos foi historicamente bancada por financiamentos do BNDES, secundado pela CEF. Lembremos ainda que frequentemente essas delegações ao setor privado foram precedidas de obras públicas. Tudo considerado pode-se inferir que a participação financeira privada efetiva não seja muito diferente da apontada pela McKinsey para os países em desenvolvimento, que está entre 7% e 8%, como mostrado em diagrama anterior.


Voltando à CNI: seu estudo esclarece que, se tomarmos 3% do PIB como sendo o investimento mínimo para manter o estoque de capital fixo representado pela infraestrutura existente, o volume total atualmente aplicado por ano, de algo como 2%, já gera um déficit da ordem de 1 ponto percentual do PIB. Ademais, para se aproximar dos padrões desejáveis, o país deveria investir adicionalmente em torno de 2% a 4% do PIB por duas décadas, no mínimo. Em outras palavras, precisamos triplicar o investimento, passando de 2% do PIB para 6%! [4].


A CNI ressalta que para alcançar essa meta serão necessárias mudanças que vão além da simples declaração do governo de desejar o setor privado como principal protagonista desse processo. A entidade aponta a necessidade de:


“(…) no plano fiscal, uma reforma que leve a um aumento decisivo da poupança pública e maior disciplina nas contas públicas; na dimensão regulatória, a despartidarização das agências e sua maior autonomia; e, no âmbito do financiamento, o deslocamento progressivo dos bancos públicos e um papel de maior centralidade do mercado de capitais, bancos comerciais e de instituições seguradoras, entre outros.”


Não basta, portanto, formular concessões tecnicamente bem modeladas, tarefa que já é um desafio considerável. E não basta capacitar-se para atrair recursos financeiros de várias fontes no país e no exterior, uma vez que mesmo quando pontualmente houve dinheiro os entraves institucionais e as deficiências de gestão tolheram a aplicação desses recursos.


Há necessidade de reformas de fundo na gestão pública e nos mercados financeiros e de capitais. As agências reguladoras, por seu turno, além do que está preconizado pela CNI, necessitam reforçar as suas equipes para dominar os vários campos de conhecimento necessários, como a doutrina do serviço público concedido, os aspectos técnico e tecnológico, a ótica financeira nos âmbitos nacional e internacional, os métodos de custeio por atividade, as análises de risco, etc etc. É necessário também modernizar os processos autorizativos de investimentos e simplificá-los, para receber os interessados nacionais e estrangeiros, oferecendo integral atendimento, em vários idiomas, imediato e eficiente, tipo “one stop shop".


Tendo em mente o histórico brasileiro e os dados da experiência internacional apresentados neste post parece pouco prudente confiar demais no setor privado para fechar o “gap” de infraestrutura em nosso país. O investimento governamental continuará a ter participação prioritária, desejavelmente sustentado por uma estrutura tributária não regressiva, ou seja, o oposto da configuração atual [5].

Em poucas palavras, precisaremos mais do que as 10 Diretrizes anunciadas no programa federal PPI – projeto CRESCER. Precisamos de uma mudança de paradigma. Ou, no dizer da CNI, “Mudar o quadro atual dependerá de um conjunto de iniciativas que no seu todo constituiriam uma verdadeira reforma do Estado.” É imprudente desconhecer essa realidade, sua escala e suas exigências de mudanças em prazos aceitáveis, bem como ignorar o papel relevante que ainda caberá ao Estado.

 

Tendo em vista a posição de liderança do setor de transportes no investimento da infraestrutura brasileira, como mostrado em diagrama deste texto, aprofundaremos a discussão com foco nesse setor, em um futuro post.

Notas


[1] Inclui transporte, energia, saneamento e telecomunicações. Não computa os elementos de infraestrutura que dão suporte direto às indústrias de óleo e gás e mineração, bem como a dos setores social e imobiliário.

[2] Nesse total a China contribui com USD 829 bilhões, EUA e Canadá com 448 e a Europa Ocidental com 335, ou seja, 33%, 18% e 13% respectivamente.

[3] “O financiamento do investimento em infraestrutura no Brasil: uma agenda para sua expansão sustentada” CNI, 2016.

[4] Embora, como já exposto, a média mundial esteja um pouco abaixo de 4% do PIB, o Brasil precisa investir acima desse patamar, dado o atraso de nossa infraestrutura.

[5] A esse respeito veja-se o post “A enorme capacidade de tolerância dos pobres provém da sua ignorância das alternativas” aqui.


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Imagem do primeiro bloco deste post: cortesia Wix



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