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Mobilidade: a charada da gestão da demanda

No documento "(i)Mobilidade Urbana: apelo à ação", publicado em página própria deste site, destacamos que as políticas integradas de mobilidade não podem prescindir das medidas de administração da demanda.

 

Gerir a demanda de deslocamentos de pessoas para otimizá-los não significa coibir a mobilidade. Pelo contrário, é um recurso para libertá-la de distorções operacionais e institucionais que encarecem a circulação na cidade e deterioram a experiência sensorial do ir-e-vir.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Strictu senso, o indicador técnico da mobilidade em uma cidade é a média de deslocamentos por habitante em um dia útil. A gestão da demanda não reduz o valor desse índice, pode até aumentá-lo, porém altera a natureza das viagens, tornando-as mais eficientes. 

 

Em uma cidade – com determinadas população, quantidade de carros por habitante, política tarifária e distribuição das atividades no território, (trabalhar, estudar, etc) – o indice de mobilidade varia com a renda per capita. Maior a renda, maior a taxa de mobilidade. Essa constatação é verificável empiricamente, por exemplo na região metropolitana de São Paulo.

Transcrito do relatório síntese da pesquisa OD da RMSP de 2007.

A mobilidade total inclui as viagens a pé

Já a relação entre mobilidade total e renda per capita em distintas cidades não é tão direta, posto que elas podem apresentar composições demográficas e desenhos urbanos desiguais, bem como características diferentes nos serviços de transporte urbano. 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

atuais, pois se referem a horizontes cronológicos de longo prazo, da ordem de 20 anos. Podemos mirar neste ensaio o cenário de 2030.

 

Qual a ordem de grandeza do crescimento da mobilidade nesse horizonte? A complexidade dessa questão não permite que seja examinada nos limites deste post. Podem-se apenas fazer algumas especulações, para se ter idéia da ordem de grandeza dos números.

 

Dos 190 milhões de habitantes do Brasil 160 milhões viviam nas cidades em 2010. Desses, 75 milhões habitavam as 20 regiões metropolitanas (RMs) mais populosas (as com mais de 1 milhão de habitantes). São essas aglomerações, pelo seu porte, as que apresentam problemas significativos de mobilidade, requerendo medidas de racionalização da demanda. Segundo o Relatório Geral do Sistema de Informações de Mobilidade Urbana da ANTP de 2010, o conjunto das cidades com mais de 1 milhão de habitantes apresentava nesse ano uma taxa média de mobilidade motorizada (não computa pedestres e ciclistas) igual 1,6.  A quantidade de viagens motorizadas seria portanto da ordem de 75 x 1,6 = 120 milhões por dia.

 

Se tanto a população dessas cidades como a renda per capita crescerem, digamos, à taxa de 1% ao ano (1), valores até certo ponto conservadores e tomando os gráficos acima como explicativos da relação mobilidade/renda, pode-se esperar para 2030 um adicional de mobilidade motorizada entre 25% e 30%, ou seja, pode-se chegar a algo perto de 40 milhões de viagens/dia a mais.

 

A grandeza desse número nas metrópoles mostra que seria imprudente e ilusório procurar atendê-lo só com aumento indiscriminado da oferta. Não dá para aumentar o espaço viário nessa medida, as ruas ficarão mais saturadas do que hoje já estão, tendendo para o colapso do tráfego. Isso sem falar dos impactos em acidentes e poluição, bem como no peso dos subsídios ao transporte coletivo. Impõem-se, portanto, as medidas de gestão da demanda, ainda pouco praticadas no Brasil.

 

 

 

 

Há várias estratégias para administrar a demanda. Podemos, na presença de condições propícias, modificar a tarifa do transporte coletivo, introduzir o pedágio urbano, instituir rodízio de veículos segundo as suas placas, organizar prioridades no uso do espaço viário e/ou mobilizar outros instrumentos, que serão tratados em futuros posts neste site. Neste momento vamos abordar a mais complexa e demorada das alternativas, mas também a de efeitos mais potentes e duradouros: a política de uso do solo.

 

Essa política tem dois propósitos principais, em matéria de mobilidade: (i) tornar as viagens mais curtas, baratas e usufruíveis com prazer e (ii) reduzir a quantidade de transferências

 

Mobilidade x renda per capita em R$ 2010

Fontes: IBGE e estudos e pesquisas OD das capitais

Verifica-se, não obstante, que grosso modo a tendência se confirma. Isso pode ser observado por exemplo no gráfico ao lado, referente às cidades (capitais) de Salvador, Recife, Curitiba, Rio de Janeiro e São Paulo. Essas cidades constituem uma amostra razoável das grandes aglomerações urbanas do país, pois abrigavam em 2010 cerca de 30% da população das 20 maiores regiões metropolitanas brasileiras.


Como a sociedade aspira e trabalha pelo incremento da renda, a demanda por deslocamento e portanto a mobilidade tendem a crescer ao longo do tempo. Esse crescimento é intensificado pelo aumento da população – ainda que nas grandes cidades brasileiras esta venha evoluindo a taxas mais modestas nas últimas décadas. Note-se que essas conjecturas não são muito afetadas por bruscas oscilações episódicas da economia, como as

Dependendo dos hábitos da população, do plano diretor e do zoneamento, das variações da oferta e reações do mercado imobiliário, a forma urbana (que é a distribuição das atividades no território antes mencionada) evolui no tempo e adquire uma determinada configuração. Por exemplo, as cidades dos EUA tornaram-se mais espalhadas, em decorrência do fenômeno sprawl, ou espraiamento, ao explorar um estilo de vida ensejado pelo automóvel; já as cidades europeias são mais compactas e as asiáticas ainda mais densas. Muitas cidades brasileiras têm densidade populacional entre as americanas e as européias. Nela o grosso dos empregos está no centro e habitações dos mais pobres na periferia.

 

Essas configurações urbanas influem na extensão das viagens. Se a tendência é pela redução da densidade populacional elas ficam mais longas, demoradas e caras. As pessoas esterilizam horas preciosas nos deslocamentos congestionados. O consumo de energia cresce exponencialmente, como pode ser visto na figura ao lado (dados de 1989 reexaminados em 2007), originalmente exposta no livro "Sustainability and Cities", de Peter Newman e Jeffrey Kenworthy. 

 

Para uma dada renda per capita e uma dada população, orientar o futuro do desenvolvimento urbano para um desenho sustentável, para tornar os deslocamentos mais eficientes é o mais poderoso instrumento de gestão da demanda. Mas também o mais difícil de implementar em 

Nota: as 5 cidades brasileiras acima examinadas apresentam densidades entre 50 e 100 hab/Ha.

uma metrópole preexistente, com sua distribuição espacial de atividades (morar, trabalhar, estudar, etc) já consolidada.

 

O que significa obter o desenho da cidade sustentável? Significa remanejar o feitio urbanístico atual, adaptando-o mediante planos diretores e suas regulações, de modo que induzam o desenvolvimento para uma forma urbana mais equilibrada, que requeira deslocamentos mais reduzidos e de menor custo e ambientalmente amigáveis. Trata-se, portanto, de ir ajustando a distribuição das atividades na cidade gradativamente, ao longo dos anos e das décadas. Esse desafio parece uma tarefa de Hércules, uma batalha inglória? Sem dúvida, é uma barreira escarpada. Mas o debate que hoje se trava em todo mundo reconhece a necessidade de enfrentar o repto, na busca da cidade sustentável, aderindo à lição de David Harvey: se nosso mundo foi imaginado e feito, então ele pode ser reimaginado e refeito. Ou ao conhecido mote de que a melhor maneira de prever o futuro é inventá-lo.

 

Lembremos que no universo dos 20 maiores aglomerados brasileiros nada menos do que 18 têm populações abaixo de 5 milhões de habitantes, um porte de cidade ainda suscetível a transformações modernizadoras.

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(1) As maiores cidades, com migração e crescimento demográfico natural turbinados, apresentam taxas de aumento populacional acima de taxa brasileira total.

Advertência

 

Como já exposto em outros textos deste site, estratégias de melhoria da mobilidade só apresentam efeito pleno de integradas segundo os quatro pilares, cobrindo todas as suas dimensões. As propostas do presente texto, embora indispensáveis, são apenas parte do edifício. São elementos que colaboram nos pilares assinalados com letra vermelha na figura abaixo. Não os esgotam nem apresentam contribuição significativa para os dois pilares remanescentes.  

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