Mario Eduardo Garcia
Reflexões sobre politicas públicas, mobilidade e logística
O Memorial Cidade - Ferrovia
O texto abaixo é uma síntese feita pelo titular deste site, a partir da detalhada proposta para o empreendimento, formulada por seus autores, os arquitetos Maria Inês Dias Mazzoco e Lúcio Gomes Machado.
1. Antecedentes
História, economia e urbanização do estado de São Paulo estão estreitamente vinculadas às ferrovias. Destaca-se a São Paulo Railway (SPR) que, pioneiramente em 1867, inaugura sua primeira linha vencendo os 860 metros de desnível entre o Planalto e o Porto de Santos, com o até hoje admirável sistema funicular. Décadas depois, nos anos 1930, uma segunda empresa — a Sorocabana – venceria o mesmo desafio topográfico, adotando traçado que permitiu deslocamentos pela tecnologia de aderência. As estações da Luz e Júlio Prestes são admiráveis testemunhos urbanos dessas realizações.
Com a decadência do sistema ferroviário ocorreu também a degradação dos entornos desses marcos na cidade. Além disso foi apagada a lembrança da ferrovia e de seu papel fundamental nos tempos áureos. E daí para a frente não houve recuperação urbana e memorialística, nem mesmo com a recente transformação desse local em epicentro dos sistemas metroferroviários de transporte metropolitano de passageiros da região metropolitana.
2. Acervo
Com notáveis exceções, o grande e valioso acervo ferroviário recebeu pouca atenção quando das concessões de privatização da malha ferroviária brasileira. Ocorreram apenas iniciativas isoladas de levantamentos e sistematizações de registros e de restauro de imóveis e de material rodante, alguns contando com recursos de renúncia fiscal.
Em sentido inverso, a atenção ao patrimônio histórico industrial, tem crescido significativamente nos últimos anos, em todo o mundo. Inicialmente, vinculada ao estudo das tradições manufatureiras européias, logo incorporou o interesse pela recuperação do patrimônio ferroviário. Órgãos responsáveis pela operação ferroviária, particulares e instituições governamentais puderam organizar dezenas de museus ferroviários no hemisfério norte.
No Brasil algumas iniciativas importantes foram descontinuadas. Por exemplo, no âmbito da "ANTP-Cultural", em 1999, foi elaborado um Guia dos Museus de Transporte Público, que nos proporciona um quadro sobre o tema à época. Fica evidente que poucas instituições têm museografia adequada, com a necessária interatividade com o público. São normalmente coleções estáticas de objetos e equipamentos de pequeno porte e fotos relacionados com a ferrovia. Poucos contam com material rodante restaurado e pouquíssimos com linha de estrada de ferro em operação, possibilitando a vivencia, em escala natural, da magia da ferrovia.
Uma outra vertente que dá origem à presente proposta filia-se à relevância atual dos museus de tecnologia, aliada, neste caso ao conceito de preservação de "caminhos" significativos para a compreensão da história de uma região. São notáveis os exemplos do Caminho de Santiago de Compostela ou da Santa Fé Trail, que atraem estudiosos e turistas de todo o mundo.
3. O Memorial Cidade – Ferrovia
O núcleo proposto deverá ser um espaço vivo e interativo, situado entre as estações Júlio Prestes e Luz, voltado para a compreensão da memória do passado, da vivência do presente e da visão do futuro, devendo contar ainda com sua extensão fora de seus limites físicos com a utilização de internet e outros meios de comunicação áudio visual.
A ferrovia está ali presente e em plena operação (hoje para transporte de passageiros), resultado da visão empreendedora de investidores, da capacidade de técnicos quase sempre formados no seio das empresas ferroviárias e do trabalho de contingentes de operários. Foi e continuará sendo um vetor fundamental para a nossa economia, celeiro de importantes indústrias fornecedoras de insumos e equipamentos de transporte, objeto de criação de tecnologia nos mais variados campos e cenário para a implantação de relações de trabalho pioneiras.
A implantação do Memorial no sítio proposto permitirá a explicitação dessas peculiaridades e a valorização de relações entre a ferrovia e a cidade para o público. Vale lembrar que o sítio proposto foi o local da primeira estação da Estrada de Ferro Sorocabana, interessante edifício com arquitetura característica das estações pioneiras, demolido há cerca de quatro décadas, quando o patrimônio ferroviário não era suficientemente valorizado. Reconquista-se, assim, este espaço único para a ferrovia, que manterá a sua história viva, uma vez que todos os outros antigos edifícios ferroviários têm atualmente outros usos.
Descrição da proposta Arquitetônica
Foram propostos três níveis para o edifício:
Nível Inferior:
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Exposição de longa duração sobre a história da ferrovia em São Paulo e no Brasil;
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Equipamento ferroviário e material rodante — carros restaurados, locobreques, etc. (três ou quatro unidades poderão ser abrigadas simultaneamente e poderiam ser periodicamente substituídas por novas unidades restauradas);
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Auditório e salas para seminários e aulas;
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Plataforma de embarque para trem turístico e/ou de ligação com outros centros de memória ferroviária;
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Oficinas de manutenção e áreas de apoio.
Nível térreo
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Acesso;
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Exposição de longa duração sobre a economia e a urbanização de São Paulo e suas relações com a ferrovia;
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Exposições de curta duração sobre a nova urbanização em implantação, investimentos, produtos e serviços desenvolvidos na região;
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Terraço: belvedere para o pátio ferroviário.
Nível superior
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Exposições de curta duração sobre os novos projetos para o modal ferroviário e vínculos com a indústria de equipamentos e material rodante;
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Estações de trabalho para acesso remoto ao acervo documental sobre a ferrovia conservado no Arquivo do Estado;
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Terraço: belvedere para o pátio ferroviário.
A forma arquitetônica proposta remete às antigas gares ferroviárias e permitirá, por sua transparência, a visão da Estação da Luz, da atual Estação Pinacoteca e da Sala São Paulo (antigos edifícios da Sorocabana), além da apropriação museológica das linhas em operação, como forma de compreensão e promoção do modal ferroviário.
Pretende-se que o espaço destinado a exposições de curta duração possa abrigar projetos relacionados com o transporte sobre trilhos, com o patrocínio de seus promotores, de forma a contribuir para custeio da operação do Memorial, somando-se a patrocínios institucionais e da operação de trens turísticos que partirão de sua plataforma, além da locação dos espaços para eventos.