Mario Eduardo Garcia
Reflexões sobre politicas públicas, mobilidade e logística
O texto abaixo do Amir Kahir foi publicado no final de fevereiro de 2016 no Estadão.
Ele contém várias propostas que merecem debate. Admitindo que sejam válidas, como parecem ser, resta uma questão importante, que precisa enfrentada: o uso das reservas para abater dívida e investir em infraestrutura e tecnologia só é válido se: (a) a seleção dos investimentos for criteriosa, priorizando aqueles de elevado retorno socioeconômico e (b) a implantação desses proojetos e a sua operação forem eficientes, portanto sem atrasos e sem sobrecustos de investimento e operação.
Penso que falta adicionar esses componentes críticos nas propostas.
O Peso dos Juros na economia
Amir Khair
28 Fevereiro 2016 | 07h 49
Este governo ignora que o problema fiscal não se resolve só com esforço de contenção de despesas e aumento de impostos. O déficit público é afetado pelos juros, disparado em primeiro lugar, depois pela queda de arrecadação e por último pela elevação de despesas. Vejamos.
Em 2015, o déficit foi de R$ 613 bilhões (10,34% do PIB) causado por R$ 111 bilhões (1,88% do PIB) do déficit primário (receitas menos despesas, exclusive juros) e por R$ 501 bilhões (8,46% do PIB) do déficit com juros. O déficit primário foi responsável por apenas 18,1% do déficit público. O déficit com juros por 81,9%!
Os Estados, municípios e estatais foram responsáveis por 16,2% do déficit e o governo federal por 83,8%, sendo que os juros causaram 77,3% desse déficit. Os restantes 22,7%, causados pelo déficit primário, foram explicados em 76% (!) pela queda de arrecadação e 24% pelo aumento de despesas.
O Orçamento deste ano teve um corte de R$ 24 bilhões para permitir superávit primário de R$ 30,5 bilhões. É insignificante diante da bomba que são os juros no setor público (R$ 501 bilhões em 2015), que caminham para ultrapassar R$ 600 bilhões (!), pois: a) a dívida bruta cresceu 21% em 2015 e; b) a Selic média, caso permaneça em 14,25%, como prevê o mercado financeiro, ficará 5,8% maior que em 2015.
Golpe no longo prazo
Para complicar o rombo fiscal de longo prazo, o governo cedeu à pressão dos governadores ao estender por mais 20 anos o pagamento da dívida estadual. Vai violar o coração da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) no artigo 35, que proíbe o refinanciamento de dívidas. O rombo nas contas públicas com essa manobra será de R$ 36 bilhões, segundo cálculos do Ministério da Fazenda. Historicamente, os maiores Estados e municípios, que representam menos de 1% dos entes da federação, sempre viveram endividados e sempre conseguiam postergar as dívidas por mais 10 a 20 anos.
Mudanças. A única saída para a explosiva crise fiscal é a calibragem da Selic ao nível da inflação, como fazem os demais países desde a crise de 2008, e a venda do excesso de US$ 200 bilhões das reservas internacionais, segundo metodologia de exposição externa do Fundo Monetário Internacional.
A venda gradual de reservas pode propiciar a redução da relação dívida/PIB de 66,2% para 53% e propiciar uma economia anual de R$ 120 bilhões em juros. Caso a Selic vá para o nível da inflação projetada para 12 meses (7,3%), a economia adicional anual com juros atingiria R$ 220 bilhões. A economia total atingiria R$ 340 bilhões por ano!
Previdência. O governo argumenta que tem de fazer nova reforma da Previdência. Nessa questão, vale aprofundar o debate para além do impacto do aumento do número de idosos e da sobrevida. Há questões importantes a serem consideradas nas projeções fiscais. Cito, entre outras as seguintes:
1 - “O governo abriu mão de mais de R$ 40 bilhões em receitas da Previdência em 2015, em isenções de impostos para pequenas empresas, entidades filantrópicas e exportadoras agrícolas, mas agora quer rever essas renúncias fiscais.” (Estado 07/02/2016). Isso equivaleu à metade do rombo da Previdência em 2015, que seria o menor desde 1999. Essas desonerações, que estão afetando a Previdência desde 2013, deveriam recair sobre o Tesouro. Isso contribuiu para as análises catastrofistas sobre as contas da Previdência. O governo não pode meter a mão em recursos que não lhe pertencem. É um crime mais grave que as pedaladas, e proibido pelo artigo 14 da LRF, que qualquer renúncia de receita deve ser compensada com aumento equivalente de tributo, o que não ocorreu. Aonde está o Tribunal de Contas da União?
2 - Os países que adotam idade mínima de aposentadoria têm rede de proteção social ao desempregado. Aqui, quem é expulso precocemente do trabalho, que é a maioria, ou não consegue voltar ao mesmo ou tem seu rendimento reduzido correndo o risco de não conseguir se aposentar mesmo tendo contribuído durante 35 anos o homem e 30 anos a mulher. Essa é a crueldade que pode atingir milhões de pessoas! Sobre isso nada se fala.
3 - O fator previdenciário reduz o valor da aposentadoria precoce. Quanto menor o tempo de contribuição e idade em que é solicitada a aposentadoria menor é o fator. Um homem que contribuiu durante 35 anos (tempo mínimo de contribuição) e quiser se aposentar com 55 anos terá redução de 30,5% no valor. O fator foi previsto visando o equilíbrio atuarial.
4 - O argumento que as pessoas vão viver mais e sobrecarregar as despesas da Previdência omitem o fato da maior sobrevida ser prevista no sistema atual. Quanto maior a expectativa de sobrevida menor é o fator previdenciário e, portanto, o valor da aposentadoria. A cada ano, o IBGE apura a sobrevida que figura no denominador da fórmula do fator previdenciário. Assim, cai a cada ano.
5 - É necessário antes de qualquer reforma melhorar a gestão da Previdência. Há no entorno de 30% de inadimplência e sonegação e desvios que podem alcançar valores expressivos. Isso deve ser considerado nas projeções de receitas e despesas.
6 - O déficit atribuído à Previdência ocorre apenas na aposentadoria rural, que concede um salário mínimo ao homem após 60 anos e à mulher após 55 anos. Para custear isso, é insignificante a receita de 2,6% da atividade rural, que é mais da metade sonegada. A aposentadoria rural tem caráter assistencial e deve ser contabilizada no Tesouro Nacional, no orçamento da Seguridade Social com recursos do PIS, Cofins e Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (Art. 195 da Constituição Federal).
7- Outra medida para elevar a receita da Previdência é acabar com a regressividade das contribuições para ganhos salariais acima do teto da aposentadoria, limitados a 11% do teto. Deveria ser 11% do salário.
8 - A demografia precisa ter dimensionamento pleno quanto ao impacto fiscal. A população jovem até 20 anos vem caindo desde 2000 em número absoluto. Em 2060, comparado com 2015 sofreria, segundo o IBGE, uma diminuição de 26,9 milhões de pessoas ante um crescimento na mesma base de comparação de 13,7 milhões na população de idosos (mais de 60 anos). Só a redução das despesas sociais dessa população jovem pode mais do que compensar o aumento da despesa previdenciária.
Conclusão. Não há solução para essa crise que não passe pelo saneamento fiscal. E não há saneamento fiscal com recessão e Selic acima da inflação projetada. Neste ano, prevejo novo recorde de déficit do setor público de 11% do PIB, assim composto: juros 9,5% do PIB, queda de arrecadação 1% do PIB e aumento de despesas 0,5% do PIB. Vale lembrar que só 36% da despesa pública não financeira pertence ao governo federal, 64% a Estados e municípios, que são autônomos do governo federal. Apostar só na limitada economia de despesa federal e não calcular o impacto fiscal demográfico considerando toda a população e não apenas a idosa é política suicida que acelera a explosão da dívida, tornando-a impagável.
*AMIR KHAIR É MESTRE EM FINANÇAS PÚBLICAS PELA FGV E CONSULTOR. ESCREVEQUINZENALMENTE