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  • Mario Eduardo Garcia

A função social do engenheiro em tempos de comoção

Grande parte das agruras que hoje assombram a sociedade brasileira nasceu e prosperou em obras concebidas, projetadas e executadas por engenheiros. Obras caras, obras atrasadas ou com efeitos ambientais controversos, obras paralisadas. Temos algo a dizer sobre as origens e consequências desses transtornos? Ou o problema não nos toca, não os causamos e somos imunes aos seus efeitos?


Para refletir sobre essas indagações aborrecidas precisamos relembrar o sentido de nosso métier. Na definição clássica a engenharia é tida como a profissão na qual o conhecimento das ciências exatas e das ciências naturais, adquirido pelo estudo e pela prática, é usado para direcionar, de forma econômica, as forças da natureza para o benefício da humanidade.


São frases pomposas que ganham sentido se delas extirparmos qualquer empenho retórico e as impregnarmos de sinceridade: não basta o domínio da técnica, ainda que primoroso; temos um compromisso ético com o desenvolvimento humano. Ao adotar essa postura ganhamos uma promessa de satisfação moral, mas não esperemos dias fáceis pela frente. Em vez de benesses materiais e reverências haverá luta diária para combinar a aplicação de nossa técnica com preocupações de natureza social. É opção difícil, pelas oportunidades materiais de curto prazo que serão perdidas. É dura batalha em condições adversas, até se chegar à ampla compreensão no meio técnico de que cada obra de engenharia é um experimento social, que afeta a vida e os destinos das pessoas.

Aceita a missão da solidariedade, o nosso potente cabedal técnico não estará, indiscriminadamente, à disposição de qualquer projeto, por mais atraente que seja. Nosso conhecimento será utilizado com o maior cuidado. Ele não é mercadoria inerte, facilmente comercializável para alavancar empreendimentos com destinação menos nobre. Ou com impacto social desconhecido. Em vez de simples fornecedores reativos, estaremos na vanguarda, como engenheiros com propósitos humanísticos: questionaremos a decisão de cada projeto, investigando, além das análises utilitárias convencionais, sua pertinência social, as transferências de renda que acarreta - rejeitando ou modificando os que promovem concentração - e seu apreço ao patrimônio cultural.


A preocupação com a inserção ambiental harmoniosa dos empreendimentos não será fardo indesejável nem motivo de aborrecimento pelos prazos que demanda. Pelo contrário, a natureza ecológica exemplar de nossos projetos será motivo de orgulho profissional e prazer existencial. Sem esquecer que projetos sustentáveis não se originam apenas de um imperativo moral, oriundo de nossa responsabilidade para com as futuras gerações. Eles são também a chave da competitividade sadia.


Dotado dos recursos intangíveis imanentes a esses paradigmas o engenheiro contemporâneo não precisa de proteções cartoriais, criadas por reservas do mercado, para ter campo onde trabalhar e aplicar a sua reconhecida técnica. Os propósitos inerentes à solidariedade social e à responsabilidade ambiental permitem conciliar com equilíbrio esses valores com a procura da eficiência, traduzida em menores custos e melhores resultados.


Em época de mobilidade da produção e de comunicação instantânea, nenhuma atividade produtiva se instalará e, sobretudo, permanecerá em uma localização se não estiverem presentes as condições que favorecem a sua competitividade. Tal vantagem só será criada e mantida de forma sustentada mediante a modernização responsável dos fatores de produção – recursos naturais, educação, infraestrutura – e a existência de competição real no mercado. Dito de outra forma: no século 21, sem competitividade não se criam e se mantêm os empregos; e sem fatores de produção desenvolvidos e sustentávels e rivalidade sadia no mercado – não cartelizado ou artificialmente reservado – não se instala a competitividade.


Todos esses conceitos fazem parte da formação do engenheiro brasileiro. Estão certamente presentes em seu espírito. Entretanto, na árdua tarefa de dominar as técnicas que levaram às grandes realizações de infraestrutura de transportes, comunicações, energia, indústria e tantas outras, o engenheiro nem sempre teve tempo ou oportunidade para alargar sua visão para as dimensões sociais do seu profissionalismo. Às vezes terá sido inclusive obstado de fazê-lo.


Estamos em novo tempo, novas adversidades. A grave crise brasileira ressalta a imperiosa necessidade do posicionamento holístico, que enobrecerá a nossa técnica. Nós, engenheiros brasileiros, responderemos com firmeza a esse desafio.


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