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  • Mario Eduardo Garcia

Cadê o Ferroanel?

Não é novidade o emprego de segmentos perimetrais ou de aneis circundantes completos, como componentes-chave das redes metroferroviárias de transporte urbano de passageiros nas grandes cidades. Já o uso desse tipo de infraestrutura para cargas não é tão frequente, mas há exemplos emblemáticos dessa prática em importantes metrópoles, como por exemplo:


  • Moscow Ring Railway (Московская Кольцевая Железная Дорога, МКЖД ou MKZD) é uma ferrovia orbital com 54 km de extensão em torno da parte central da capital russa. Construída no início do século 20 para uso misto, demarcando os limites da cidade àquela época, passou depois a ser usada, durante décadas, apenas para cargas. Com a expansão da cidade a ferrovia foi modernizada e eletrificada, para reconversão para serviço de passageiros.

  • Anel Externo de Berlim (Berliner Außenring, BAR) é uma linha ferroviária dupla com 125 km de extensão, construída nos anos 1950-1960, antes da reunificação alemã. Opera atualmente com carga e, em parte de sua extensão, também com passageiros

Berlin Outer Freight Ring - Fotos You Tube e Wikipedia

  • O Cinturão Ferroviário de Chicago, operado pela The Belt Railway Co. é um dos mais importantes complexos de pátios de triagem ferroviária dos EUA, classificando e despachando mais de 8.400 vagões por dia. Seus acionistas são as maiores ferrovias da América do Norte: Burlington, Canadian National, Canadian Pacific, CSX, Norfolk Southern e Union Pacific. O Cinturão Ferroviário estende-se pela região oeste de Chicago, pois a leste a cidade faz frente para o lago Michigan.


Os aneis ferroviários – completos ou em segmentos parciais – frequentemente nascem para veicular cargas de transposição das grandes cidades, em itinerários por fora da mancha urbana, sem interferir com o tráfego local. Suas funções mais importantes, entretanto, são as de organizar os fluxos de transporte com objetivos mais amplos: podem facilitar a logística urbana; e seus pátios servem para reconfigurar composições ferroviárias, articulando vagões de diferentes origens e formando trens para destinos comuns, com alcance metropolitano, nacional ou mesmo continental.

 

No Brasil, o gênio dos empreendedores dos transportes dos meados do século 19 erigiu uma ferrovia, a São Paulo Railway (SPR), que venceu galhardamente um desnível de mais de 700 metros para levar o café do interior ao porto de Santos, passando no planalto por uma São Paulo de 30 mil habitantes. Foi seguida, na década de 1930, pela Mairinque – Santos, uma estrada de ferro que ultrapassou a serra mediante tecnologia de simples aderência e permitiu à então E. F. Sorocabana também chegar a Santos.


Cem anos depois da SPR, nos anos 1.960, São Paulo já tinha 4 milhões de habitantes e a cidade agora envolvia a ferrovia, abraçando-a. O território daquela linha passou a ser o centro de uma metrópole. Felizmente, apesar da hegemonia do rodoviarismo – então uma nova realidade –, não se tinha toldado a visão estratégica herdada dos pioneiros. Esse legado ainda produzia grandes pensadores e realizadores do transporte brasileiro, que formularam propostas concretas para resolver o conflito que então surgia, cidade x trem cargueiro, mediante a implantação de um anel ferroviário em torno do aglomerado urbano.


O mapa abaixo, da Secretaria de Transportes de São Paulo, feito há quase 50 anos, testemunha uma dessas proposituras, compatível com a configuração urbana daquela época.



Pouco depois o Plano Nacional de Viação de 1.973 ampliava esse escopo. Além de contemplar o anel ferroviário em torno de São Paulo, previa, podemos ver, até a implantação de ligação ferroviária planalto – porto de São Sebastião!!


Extrato da Lei Federal 5.917 de 10 de setembro de 1973

Ainda na década de 1.970 foi construída a ligação Suzano – Ribeirão Pires, segmento da E.F. 479 da tabela acima e pouco depois realizados melhoramentos na ligação Boa Vista (Campinas) – Mairinque, que fazia parte da E.F. 050.


Dessa época em diante o impulso estratégico ferroviário esmoreceu, não revivendo nem mesmo após as concessões das malhas ao setor privado.

 

Hoje, uma nova proposta fundamenta-se em visão logística contemporânea do Ferroanel como infraestrutura essencial para a realização de três funções estratégicas:


  • A retomada da concepção histórica, que visa a transposição da imensa urbe metropolitana de São Paulo por fluxos ferroviários de cargas que têm origem e destino remotos, sem prejudicarem ou serem prejudicados pelo tráfego da cidade, . É o caso, por exemplo, dos graneis agrícolas do hinterland do porto de Santos, como soja, milho e açucar; dos fertilizantes importados; da bauxita, no sentido leste – oeste; dos conteineres internacionais e domésticos, etc

  • O apoio à logística urbana, mediante um complexo de plataformas logísticas periféricas (junto ao Ferroanel) e urbanas na região metropolitana e respectivas facilidades de transferência modal, especialmente caminhão <----> trem. Essa função é tão ou mais importante do que a anterior: é impensável imaginar que o abastecimento da megametrópole e a sua logística reversa possam continuar a ser atendidas unicamente pelo caminhão.

  • A instalação de um pátio de troca rápida de bitola, conectando em posição estratégica no Ferroanel os troncos ferroviários do sul e norte/nordeste do país e assim superando um problema histórico – a quebra de bitola – que inibe há décadas a exploração dos serviços ferroviários brasileiros. Os benefícios que serão ensejados por essa facilidade incluem a captura ampla pela ferrovia dos mercados de transporte de arroz e produtos siderúrgicos, bem como de industrializados em geral, usando conteineres domésticos. Um pátio desse tipo tem inclusive funções de triagem e reconfiguração de trens semelhantes às do já citado The Belt Railway de Chicago.

A realização dessas infraestruturas e serviços é inadiável. Elas trarão importante redução de custos logísticos e ganhos ambientais de grande envergadura. As repercussões são de alcance nacional e local, caracterizando o Ferroanel completo como um dos mais importantes entrelaçamentos do sistema logístico brasileiro.

 

Tantas demandas não atendidas… tantos benefícios não usufruídos… o que estamos esperando? Conseguiremos recuperar o ímpeto empreendedor dos nossos ancestrais e tirar o projeto do papel?



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