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  • Mario Eduardo Garcia

Parcerias em investimentos de serviços públicos: as outorgas onerosas fazem sentido? São pedaladas?

Revisão em 24/09/16 - 19,30 hs

Complementação em 25/09/16 - 11,30 hs


O governo federal anunciou o Programa de Parcerias de Investimentos (PPI), contendo um pacote de projetos com destaque para os setores de petróleo, hidrelétricas, rodovias, ferrovias, aeroportos. Foi ressaltado o montante que se pretende arrecadar como outorgas onerosas, ou seja, valores que os concessionários deverão pagar ao governo para "comprar" o direito de explorar os serviços concedidos.


O Estadao de 20/09 noticia que esse montante alcança R$ 24 bilhões e representa parcela significativa do esforço para tonificar o caixa do governo. A distribuição do total por setor de origem pode ser apreciada no gráfico seguinte.



A prática governamental de cobrar algo como "luvas" pela outorga de concessões de infraestrutura não é de hoje. No ciclo brasileiro contemporâneo de desestatizações, iniciado em meados da década de 1990, ela esteve sempre presente, nas três esferas de governo, qualquer fosse a filiação política dos gestores do momento. Foi sempre considerada, como agora, um expediente válido para complementar as receitas fiscais, reforçando o orçamento público.


Vamos examinar alguns argumentos que colocam em xeque esses pressupostos.

 

Antes de mais nada é necessário delimitar os campos de aplicação da outorga onerosa, conforme sua natureza.


O setor onde ela encontra respaldo social e econômico mais consistente talvez seja o dos investimentos imobiliários nas cidades. Conhecida há décadas como "solo criado", a cobrança pelo direito de construir acima dos limites estipulados no zoneamento urbano encontrou amparo inequívoco na lei 10.257, julho de 2001, o Estatuto da Cidade. Como exposto no Guia para a aplicação da lei, a outorga onerosa refere-se a "áreas definidas como aptas ou prioritárias para ocupar de forma mais intensa (....), um potencial adicional, acima do coeficiente ou densidade básicos. Este potencial adicional deverá ser disponibilizado para os interessados mediante contrapartidas. Estas contrapartidas podem se dar sob a forma de obras, terrenos ou recursos monetários" (grifo nosso). Os os bens imobiliários assim edificados pelo empreendedor privado são por ele oferecidos aos compradores potenciais, em regime de mercado. Note-se, todavia, que os empreendimentos imobiliários urbanos não fazem parte do PPI e não estão computados no diagrama acima. A natureza da outorga, inclusive, não enquadra esse instrumento no contexto de "concessão" delegada pelo poder público. No solo criado este cede integralmente um bem intangível, o direito de construir, contra determinado pagamento.


Nos setores de infraestrutura formalmente abrangidos pelo PPI é necessário distinguir as outorgas onerosas do setor de petróleo das demais. Nas primeiras, regidas por legislação específica, um bem público inalienável - a jazida e o bloco que a contém - é outorgado onerosamente ao concessionário para prospecção e comercialização do petróleo e gás extraídos. O empreendedor será titular apenas da atividade industrial e do produto da lavra (e não da jazida) e irá vendê-lo também em regime de mercado. É um tipo específico de concessão, de um bem público -- o direito de explorar a jazida -- que não tem a natureza de serviço público.


As características institucionais dos demais setores do PPI - hidrelétricas, rodovias, ferrovias, aeroportos - são diferentes das acima descritas. Esse grupo engloba atividades tipicamente de prestação de serviço público, ou seja, utilidade material que satisfaz necessidades coletivas e que o Estado assume como tarefa sua, podendo prestá-las de forma direta ou indireta, segundo regime jurídico de direito público total ou parcial. As concessões de serviço público são globalmente reguladas pela lei 8.987/95 e legislação pertinente a cada setor. O poder público pode ou não cobrar pela outorga das concessões.


Nos três tipos de outorga onerosa acima expostos o concessionário privado procurará obviamente conseguir uma contrapartida financeira do montante que pagou pela mesma. Nos dois primeiros ele vai buscar esse ressarcimento no mercado. No terceiro a principal fonte de receita é, em última instância, a tarifa paga pelo usuário. Para maior clareza representam-se a seguir de forma gráfica os diferentes tipos de outorga e sua contrapartida. Os blocos acinzentados (à direita) são detalhados nos parágrafos remanescentes deste post.


 

A "tarifa" pode ser aquela cobrada (diretamente ou através de um distribuidor) dos usuários ou um preço unitário contratual, que o poder público se compromete a pagar ao concessionário. Não cabe no espaço deste post detalhar as aplicações e os prós-e-contras de cada uma dessas duas variantes, mas deve-se registrar que, quando existe o preço unitário contratual, ele usualmente é maior do que a tarifa pública. Nessa situação interessa ao poder concedente que a diferença numérica [preço - tarifa], que é um subsídio, não se agigante, para evitar pressões insustentáveis sobre o orçamento público.


Como já dito, quando o poder público usa o modelo de outorga onerosa o concessionário irá buscar o ressarcimento desse custo na tarifa pública ou no preço unitário contratual. Quem vai pagar é o usuário, nas concessões; ele e o contribuinte, nas PPPs. Dessa constatação decorrem as seguintes consequências:


  • Sabe-se que, em termos simplificados, um sistema que oferece serviços públicos tende para a eficiência quando o preço de usar o serviço (a tarifa pública) é igual ao custo de produzi-lo. Ora, o pagamento da outorga onerosa aumenta o custo sem ter nada a ver com os parâmetros econômicos (custo direto + externalidades + lucro) inerentes à realização da atividade. Ao provocar essa distorção e pressionar a tarifa a outorga onerosa contribui para inibir ou mesmo impedir a eficiência do serviço.

  • O aumento de custo e tarifa provocado pela outorga onerosa contrapõe-se também ao princípio da modicidade tarifária, um dos pilares do chamado "serviço adequado" estabelecido na lei das concessões.

  • Pretende-se que a outorga onerosa reforce o caixa do setor público. Entretanto, segundo o padrão do "funding" das concessões no Brasil, o concessionário comparece com uma parcela de 20% ou menos de capital de risco, socorrendo-se principalmente dos bancos públicos para completar o restante. Resulta que a outorga onerosa é, em grande medida, dinheiro que entra em um bolso que é alimentado por outro bolso do mesmo ser, no caso o poder público. Não há reforço de caixa "lato sensu", apenas uma transferência de um agente para outro, ambos do setor público. Assim os bancos públicos financiarão a outorga (e o investimento) com recursos que serão reembolsados a longo prazo pelo usuário e pelo contribuinte.

A outorga onerosa é uma intrusão patogênica na equação econômica do serviço delegado. Mesmo quando o padrão tarifário pré-existente enseja uma rentabilidade excessiva do negócio da concessão não é recomendável, salvo situações especiais, compensá-la com a outorga onerosa. Os princípios da eficiência e da modicidade recomendam nesse caso um rebaixamento das tarifas.


Após 20 anos de prática da outorga onerosa e no limiar de um novo ciclo de investimentos não estaria na hora de rever essa política?

 

Complementação do post em 25 de setembro


"Pérolas" no Estadao de hoje, 25 de setembro, à pg B6:


Título de matéria com entrevista do ministro dos Transportes:

"A Infraero não tem dinheiro para pagar outorga".

Afirmação do reporter:

"Os consórcios não têm dinheiro para pagar a outorga e atribuem ao BNDES, que não liberou financiamento."

Título de matéria ao pé da página:

"Ágio elevado pode ter comprometido concessão"

Primeiros parágrafos do texto:

"Dentro do governo, o problema dos aeroportos é dividido em duas situações distintas. Uma é considerada conjuntural, decorrente da recessão econômica que derrubou a movimentação de passageiros e, consequentemente, enfraqueceu o caixa das empresas. A outra é avaliada como um erro de negócio, cuja receita não é suficiente para pagar a outorga (valor pago ao governo pela concessão pública).

Os leilões feitos em 2012 tiveram ágios que chegaram a 673%, caso do Aeroporto de Brasília. No ano seguinte, o Galeão foi arrematado numa oferta quase 300% superior ao valor inicial. “O resultado foi positivo num primeiro momento, mas talvez não tenha sido bem dimensionado seja pelo poder concedente como pelas empresas”, afirma o advogado Paulo Dantas, da Demarest Advogados."


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